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Tá com dó? Leva pra casa!

Esses dias eu estava passando na rua quando vi o DF (i)legal desocupando durante a pandemia alguns moradores de rua e catadores de lixo, quando fui reclamar sobre para onde os pertences pessoais daquelas pessoas estavam indo (que era para o lixão) tive a seguinte resposta: "TÁ COM DÓ? LEVA PRA CASA".

Eu fiquei tão indignada quando eu ouvi isso, que comecei a debater sobre essa frase e depois de muito refletir trouxe aqui algumas conclusões.

A lógica argumentativa que baseia a frase é simples: ninguém em sã consciência gostaria de receber um criminoso, um morador de rua (ou qualquer pessoa) desconhecida em seu lar, junto de sua família.

Quando se ouve a sugestão de escolher convidar uma pessoa à sua casa, não faz sentido avaliar se o tratamento dado a essa pessoa é correto em determinada situação, pois a questão que se coloca é descolada de qualquer contexto fático, e se resume à resposta da pergunta:

 

Você confiaria nesta pessoa o suficiente para permitir que ela faça parte de sua intimidade?

 

A ideia com isso é criar um beco sem saída em que as opções que restam ao interlocutor são reconhecer que não estaria disposto a receber a pessoa em questão em sua residência, ou afirmar que confia plenamente em alguém que na maioria dos casos é um completo desconhecido, e por vezes até mesmo um sujeito indeterminado (por exemplo, um menor infrator “em abstrato”).

Isso porque ao se colocar essa opção binária de resposta, atrela-se à primeira alternativa a conclusão de que, uma vez que não é confiável o suficiente para ser convidada à intimidade de quem a princípio a defendia, a pessoa é automaticamente culpada de qualquer que seja o crime que lhe é imputado, e também automaticamente merece ser castigada.

Automaticamente essa pessoa estigmatizada passa a não caber na sociedade e na convivência humana. É aqui que reside a grande fragilidade da frase.

Afirmar que não se confia em alguém o suficiente para convidar tal pessoa a sua casa não tem necessariamente nenhuma relação com o juízo de culpa quanto aos atos dessa pessoa, e muito menos com a análise de justiça do castigo a que ela é submetida.

Na verdade essa é uma questão ligada ao preconceito, pois na verdade, essa é uma questão de intimidade e confiança em quem se convida, que será criada independente de ser um ex presidiário ou um morador de rua, ou até alguém que você conheceu na faculdade.

Já vi muito morador de rua e muito criminoso com muito mais ética e respeito do que pessoas que se auto dizem cidadãos do bem.

Então acredito que chegou a hora de entender que essa frase na verdade é somente um ataque sem qualquer fundamento, que levar um morador de rua desconhecido para a sua casa é tão prejudicial quanto levar qualquer outro desconhecido.

Que esse padrão utilizado para falar essa frase é preconceito e egocêntrico e não merece ser reproduzido.

 

Artigo escrito por: Sara Figueiredo Rocha, Advogada Criminalista Pós Graduada em Direito Penal e Processo Penal, fundadora da Fonte Jurídica, Professora de Direito Penal, Palestrante e Escritora (@dra.sararocha)